A posse é mais importante que a propriedade?
Imagine uma pessoa que compra um lote em um bairro ainda em formação, paga à vista, constrói sua casa e passa a morar ali com sua família por muitos anos. No entanto, o terreno foi adquirido por meio de um contrato simples, sem escritura pública nem registro no cartório de imóveis. Ela não é, formalmente, a proprietária, mas é a possuidora do bem. Seu nome não aparece na matrícula do imóvel, mas é ela quem cuida, mantém e protege o local. Essa é a realidade de milhares de brasileiros que vivem em imóveis adquiridos de maneira informal, e é justamente aí que entra a relevância do conceito de posse.
A propriedade, por outro lado, dá ao titular todos os direitos sobre o imóvel: usar, alugar, vender, doar ou mesmo deixá-lo como herança. Suponha que uma mulher compre um apartamento e registre a escritura em cartório, passando a constar oficialmente como proprietária. Mesmo que ela não more no local, pode alugá-lo a terceiros, usá-lo como garantia de empréstimo ou vendê-lo a qualquer momento. Esse é o poder conferido pelo título de propriedade devidamente registrado.
A posse, porém, é protegida pela lei mesmo sem a formalização da propriedade. Um exemplo claro está nas situações de invasão. Se alguém mora num imóvel por anos, de forma pacífica e ininterrupta, e outra pessoa tenta removê-lo à força, o possuidor pode entrar com uma ação de manutenção de posse para garantir seu direito de continuar ocupando o imóvel. E se o invasor já o retirou, ele pode ingressar com uma ação de reintegração de posse. Mesmo que o possuidor não seja o proprietário registrado, a Justiça reconhece sua permanência legítima.
Em muitos casos, a posse evolui para propriedade por meio da usucapião. Um exemplo prático: João mora há mais de 5 anos num lote urbano de 200 metros quadrados, onde construiu sua casa, cuida do local, paga as contas de água e luz e nunca foi perturbado pelo suposto dono. Se não houver oposição e ele atender aos requisitos legais (como não ser proprietário de outro imóvel), João poderá requerer a usucapião urbana e registrar a propriedade em seu nome — sem precisar comprar novamente o imóvel.
Outro exemplo comum ocorre com a posse de boa-fé. Imagine que Maria adquiriu um sítio no interior por meio de um contrato de compra e venda com firma reconhecida, acreditando que o vendedor era o verdadeiro dono. Ela cultiva a terra, planta e vive do local há mais de uma década. Mesmo que, anos depois, surja um terceiro alegando ser o verdadeiro proprietário, Maria tem direito à defesa da sua posse e pode até buscar o reconhecimento da propriedade via usucapião rural, desde que cumpra os requisitos da lei.
Esses exemplos mostram como a posse é mais do que uma simples ocupação: é um direito autônomo, reconhecido e protegido. Ainda que o proprietário tenha o direito formal, ele não pode simplesmente “tomar de volta” o imóvel se a posse estiver sendo exercida de forma justa, contínua e pacífica. O próprio Código Civil brasileiro reconhece isso e oferece os instrumentos jurídicos para garantir que o possuidor seja respeitado.
Portanto, embora a posse e a propriedade não sejam a mesma coisa, ambas têm relevância jurídica. E em determinados contextos, a posse pode, sim, ser defendida até mesmo contra o proprietário, especialmente quando exercida de boa-fé ou por longos períodos. A chave está em conhecer a lei, entender seus direitos e agir dentro dos meios legais — o que pode ser a diferença entre perder um lar ou conquistá-lo definitivamente.

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