Regularize seu imóvel após 10 anos de posse
Adquirir a propriedade de um imóvel sem escritura, contrato ou registro em cartório pode parecer algo impossível à primeira vista. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma forma legítima de tornar isso realidade: a usucapião. Mais do que um simples direito, trata-se de um instrumento poderoso que reconhece a realidade vivida por milhares de pessoas que, embora não tenham documentos formais registrados, cuidam de um imóvel como se fossem donos, investem tempo, dinheiro e esforço, e constroem ali suas vidas.
Imagine o caso de Dona Maria, que há mais de 10 anos vive com sua família em uma casa simples na periferia de uma grande cidade. Ela comprou o terreno de forma informal, com um contrato de gaveta, e desde então paga todas as contas de água, luz, IPTU e realizou melhorias significativas no imóvel, como a construção de novos cômodos e a instalação de um muro. Nunca foi incomodada por ninguém, ninguém contestou sua posse e, na prática, todo mundo no bairro a reconhece como proprietária do local. Embora nunca tenha registrado o imóvel em cartório, ela tem uma posse contínua, pacífica e com ânimo de dona — exatamente o que a lei exige para quem deseja usucapir um bem.
Nesse contexto, entra um ponto muito importante: o chamado justo título. Trata-se de um documento que, embora não registrado ou formalizado corretamente, demonstra a intenção de transferência da propriedade. Um exemplo clássico é o contrato de compra e venda particular, como o contrato de gaveta que Dona Maria assinou. Ainda que esse documento não tenha eficácia plena perante o cartório de registro de imóveis, ele serve para mostrar que a posse teve origem legítima e foi exercida de boa-fé. Por isso, a lei considera esse tipo de documento como um “justo título” — ele é imperfeito do ponto de vista registral, mas suficiente para comprovar a origem da posse na usucapião ordinária.
Segundo o Código Civil, quem exerce a posse de forma mansa e ininterrupta por 10 anos, com base em um justo título e de boa-fé, pode requerer a propriedade por meio da usucapião ordinária. Essa é a modalidade ideal para situações como a de Dona Maria, em que existe um documento informal e a ocupação é feita com o entendimento legítimo de que se está exercendo um direito sobre o imóvel.
O processo pode ser iniciado judicialmente ou, em casos mais simples, diretamente em cartório, desde que não haja oposição de terceiros. Para isso, é essencial reunir documentos que comprovem o tempo e a qualidade da posse: contas de consumo em nome do possuidor, declarações de vizinhos, fotos, planta do imóvel e outras evidências que demonstrem que aquele espaço foi utilizado como moradia ou como área de produção, no caso de terrenos rurais.
A usucapião não é um atalho, mas uma forma de dar segurança jurídica a quem de fato se comporta como proprietário por longos anos. O prazo de 10 anos é uma das possibilidades previstas em lei, especialmente para aqueles que, como Dona Maria, possuem algum título informal e atuam de boa-fé. Portanto, se você ou alguém que conhece está em situação semelhante, saiba que é possível transformar esse sonho em realidade e garantir, por meios legais, o direito à propriedade do seu lar. O reconhecimento da usucapião é, acima de tudo, o reconhecimento da dignidade de quem construiu sua história em solo próprio — mesmo sem ter, até então, um papel que o comprovasse.