Usucapião em 10 ou 15 anos
Imagine uma pessoa que vive há mais de 15 anos em um imóvel, cuidando dele, reformando, pagando as contas, tratando-o como seu lar, mas sem jamais ter tido um contrato de compra e venda ou escritura em seu nome. Em muitas regiões do Brasil, essa é uma realidade comum. Seja por ter comprado de forma informal, por ter herdado sem formalização, ou até mesmo por ter ocupado um imóvel abandonado, milhares de pessoas vivem em propriedades que não estão registradas oficialmente em seus nomes. É justamente nesses casos que o instituto da usucapião se apresenta como uma solução poderosa para regularizar juridicamente a posse prolongada de um imóvel.
A usucapião é um instrumento legal que permite ao possuidor de um bem, em determinadas condições, transformar essa posse em propriedade legítima. Ou seja, mesmo que a pessoa não tenha um contrato formal ou escritura registrada, ela pode vir a ser reconhecida como dona do imóvel se demonstrar o exercício contínuo, pacífico e ininterrupto da posse por determinado tempo, além de atender aos requisitos legais específicos de cada modalidade.
As duas formas mais comuns de usucapião são a extraordinária e a ordinária. A usucapião extraordinária é aquela que não exige justo título nem boa-fé, sendo suficiente que o possuidor esteja no imóvel por pelo menos 15 anos, de forma contínua, sem contestação e como se fosse o verdadeiro proprietário. Esse prazo pode ser reduzido para 10 anos se o possuidor comprovar que reside no imóvel ou realizou obras ou atividades produtivas no local. Um exemplo clássico seria o de um agricultor que, sem qualquer documento, ocupa por mais de 10 anos um terreno abandonado, planta, constrói e torna o espaço produtivo.
Já a usucapião ordinária é aplicável quando o possuidor tem justo título — como um contrato de compra e venda informal — e age de boa-fé, acreditando que o documento é suficiente para garantir a propriedade. Neste caso, o prazo exigido é de 10 anos. Imagine, por exemplo, uma família que comprou um lote em um bairro recém-formado por meio de um contrato de gaveta. Ela paga impostos, mora no local há uma década e nunca teve a posse questionada. Esse grupo pode se beneficiar da usucapião ordinária para regularizar a propriedade.
Independentemente da modalidade, o processo de usucapião pode ocorrer pela via judicial, por meio de uma ação proposta no Judiciário, ou pela via extrajudicial, diretamente em cartório, desde que todos os requisitos legais estejam presentes e não haja oposição de terceiros. Em ambas as hipóteses, será necessário apresentar provas da posse, como contas de água, luz, IPTU, fotografias, testemunhas e outros documentos que demonstrem o exercício da posse ao longo do tempo.
É importante destacar que a posse deve ser mansa, pacífica e ininterrupta. Ou seja, não pode ter havido disputas, invasões ou contestações por parte de terceiros ou antigos proprietários. Se houver oposição durante o procedimento extrajudicial, por exemplo, o processo deverá obrigatoriamente seguir pela via judicial, o que pode torná-lo mais demorado.
A usucapião, portanto, é um mecanismo fundamental para garantir o direito à moradia e a regularização fundiária no Brasil. Ela reconhece juridicamente aquilo que já ocorre de fato: o exercício prolongado da posse com características de propriedade. Tanto na modalidade extraordinária quanto na ordinária, a usucapião oferece segurança jurídica, valorização do imóvel e a possibilidade de regularizar registros, obter financiamentos e assegurar o patrimônio da família. Trata-se de um instrumento de justiça social, frequentemente negligenciado, mas de grande importância para quem busca legitimidade sobre o imóvel em que vive ou trabalha há anos.